INDIGNAÇÃO
(poema inédito de Hélia Correia)
O horror calou tudo, declararam.
Depois de Auschwitz
Continuámos a falar, porém – sem ambição.
Reconhecendo o inalcançável,
Baixando o olhar.
Pois o que pode a fala? Porque dizem
Que, cantada, faz de arma?
Se com ela não nos municiamos.
Se com a morte de uma Grécia antiga,
Perdemos o condão de nomear
Deuses e sentimentos até
As pequenas moléculas, enfim, nomear o real
Que, naquele caso, incluía o tremendo e a maravilha?
Esses, os que levavam para a praça
Quezílias, sim, projectos e também,
E, sobretudo, uma noção de polis
E de uma paridade vigiada,
Severamente vigiada.
Os Gregos, esses
Que narravam o medo para que o medo
Se tornasse visível, prisioneiro
Na teia do poema,
Se não compreensível, pelo menos
Transformado em espectáculo – essa Grécia,
Essa Atenas perfeita, mais perfeita
Que qualquer utopia, a rapariga
Inesperadamente transformada
Numa ruína,
Esses – que não existem
E nos deixaram assustados, sós,
Sob o sem-rosto, sós,
Sem as ferramentas adequadas,
Sem pensamento,
Sem esses deuses temperamentais
Que tomavam partido nos combates,
Nós, os abandonados, os que não
Sabem sequer como aplacar
E a quem,
Nós, os emudecidos,
Irmanados com os sem-terra, nós,
Os futuramente esfomeados,
Bárbaros com os pés no alcatrão,
Bebedores de petróleo, como pode
De novo a praça,
A Ágora, juntar-nos?
Transformados em porcos, por feitiço,
Pela malevolência,
Exactamente
Como na Odisseia,
Não sabemos
– e os Gregos esqueceram –
Como é que tal feitiço
Se desfaz?
Hélia Correia, in Público, P2 (p. 7), 21 Janeiro 2012
domingo, 22 de janeiro de 2012
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