
Não sei se respondo ou se pergunto.
Sou uma voz que nasceu na penumbra do vazio.
Estou um pouco ébria e estou crescendo numa pedra.
Não tenho a sabedoria do mel ou a do vinho.
De súbito, ergo-me como uma torre de sombra fulgurante.
A minha tristeza é a da sede e a da chama.
Com esta pequena centelha quero incendiar o silêncio.
O que eu amo não sei. Amo. Amo em total abandono.
Sinto a minha boca dentro das árvores e de uma oculta nascente.
Indecisa e ardente, algo ainda não é flor em mim.
Não estou perdida, estou entre o vento e o olvido.
Quero conhecer a minha nudez e ser o azul da presença.
Não sou a destruição cega nem a esperança impossível.
Sou alguém que espera ser aberto por uma palavra.
António Ramos Rosa,
Facilidade do Ar, 1990
A procura da palavra justa para dizer as "coisas nuas", a reflexão sobre a realidade e a possibilidade dessa palavra é, talvez, o tema da poesia de António Ramos Rosa. As metáforas da claridade expressam a felicidade viva da apropriação do impronunciável através da palavra poética tão esperada: Sou alguém que espera ser aberto por uma palavra, conquistada através de um desejo, de um esforço, de uma viagem.
A sua poesia foge da dicotomia, da disjunção, da determinação, num espaço cada vez mais aberto e ilimitado, que se adequa cada vez melhor à manifestação "do que não tem nome". O poeta, que procura entrar em consonância com esse horizonte do real, torna-se também ele corpo místico e mítico do universo, onde se conciliam por fim todos os contrários. Quando escreve Amo. Amo em total abandono. ou Sou alguém que espera ser aberto por uma palavra revela-se como alguém que vive esperando a libertação, alguém que ama a luz (palavra) que possa abrir o túmulo de pedra e rasgá-lo.
António Ramos Rosa > Poeta e ensaísta português, natural de Faro, nasceu a 17 de Outubro de 1924. Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, Ramos Rosa tomou o rumo para Lisboa, depois de ter passado a juventude em Faro. Na capital, vivendo intensamente a vitória dos Aliados, trabalhou no comércio, actividade que logo abandonou para se dedicar à poesia.
A. R. R. recebeu vários prémios de poesia, o primeiro dos quais pela obra Viagem Através de Uma Nebulosa, partilhado com Henrique Segurado. Em 1980, o Prémio do Centro Português da Associação de Críticos Literários, pelo livro O Incêndio dos Aspectos; em 1988, o Prémio Pessoa; em 1989, o Prémio APE/CTT, pela recolha Acordes, e, em 1990, o Grande Prémio Internacional de Poesia, no âmbito dos Encontros Internacionais de Poesia de Liège. (…) É geralmente tido como um dos grandes poetas portugueses contemporâneos.
Fontes:
Rosa, António Ramos. Antologia Poética, Lisboa: Dom Quixote, 2001.
Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. V, Lisboa, 1998.
www.astormentas.com
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