Anos 60
ODE A LISBOA
Ó cidade, ó miséria
Ó tudo que entediava
Meus dias perdidos no teu ventre
ó tristeza, ó mesquinhez cativa
ó perdidos passos meus cansados
Ó noites sem noite nem dia
Ó dias iguais às noites
Sem esperança de outros melhor haver
Ou, pior, esperando alguém que não havia
Ó cidade, ó meus amigos idos
(tive-os eu ao menos como tal um dia?)
Ó cansaço de tudo igual a chuva e o céu azul imenso
Igual em toda a volta, meses de calor,
Ou água suspensa, núvens indistintas
Ou cordas de chuva a não poupar-me!
Igual, igual, igual por toda a banda
Ó miséria de sempre!
Tua miséria, ó cidade
Minha miséria igual em tudo
Igual às tuas ruas cheias
Igual às tuas ruas desertas
Igual às tuas ruas de dia
Igual às tuas ruas de noite
Igual à dos teus grandes
E das tuas prostitutas
Igual às dos homens corrompidos
E,
piormente igual à dos teus sábios!
Ó cidade igual inegualada
Porque te chamo perdidamente igual?
Tua miséria não é miséria,
Tua tristeza não é tristeza
Tudo o que me perdeste para ti não é perdido:
Meus passos firmaram-te as pedras;
Tuas noites foram o meu sol;
Teus dias me foram descanso...
Iguais, dias,noites, minha desesperança
Era o próprio esperar doutras certezas:
A certaza de só poder tornar-se
O alguém que é forçoso haver!
Os meus amigos idos
Por tal seriam por certo perdidos
Sei ---- como não?----que existiram:
Lá estão.
Ó cidade! o cansaço seguiu-me
--- não era teu.
Igual o tempo está comigo
---- não era teu...
Igual, igual, igual por toda a banda...
A miséria, o desalento aqui os tenho
--- Também não eram teus.
Mas a gente era tua e eu também.
Lá ficou; e eu,
Ó cidade, ó miséria,
Ó tudo que me entendiava,
Meus dias perdidos no teu ventre!...
Sei que nada me pertence
É tudo teu!
E eu me glorifico por eu e os meus
Sermos só de ti que és de Deus!
ODE A LISBOA
TOPOGRAPHIA LUSITANAE SELECTIOR
in "PARVA NATURALIA"
(José Blanc de Portugal)
Entrevista a José Blanc de Portugal
http://ferreira854.blogspot.com/2010/02/entrevista-jose-blanc-de-portugal.html
http://gavetadospapeis.blogspot.com/
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