«- Como estás?, é uma bela questão. Normalmente respondo - Sei lá, porque não gosto de mentir. E sei lá de facto. Umas vezes estou redondo, outras quadrado, outras cheio de picos, outras liquefeito, outras não estou sequer: deslizo por aí armado em nuvem. - Como estás?, e é impossível responder - Deslizo por aí armado em nuvem» António Lobo Antunes
O Romance de Diogo Soares Diogo Soares O grande general Chamado "o Galego" O homem dos olhares fatais Comanda sessenta mil homens De terras estranhas Vencendo e lutando Por quem paga mais Eficaz nos sermões Insinuante pois Ganhou a simpatia De príncipes e samurais Já é governador Do reino de Pegu Mais forte do que o rei Mais rico por golpes mestrais.
Naquela cidade Vivia um mercador De nome Mambogoá De fortuna sem fim E naquele dia O dia das bodas Casava uma filha Com Manica Mandarim Diogo Soares passou por ali Ao saber da festa Felicitou noivos e pais E a noiva tão linda Ofereceu-lhe um anel Agradecendo a honra Por gestos puros e sensuais Então o galego Em vez de guardar O devido decoro Prendeu-a e disse-lhe assim: "Ó moça formosa És minha, só minha A ninguém pertences A ninguém, senão a mim".
O pai Mambogoá Ao ver pegar o bruto Tão rijo na filha Ouvindo este insulto de espanto Levantou as mãos aos céus Os joelhos em terra No retrato da dor Pedindo e implorando num pranto "Eu peço-te Senhor Por reverência a Deus Que adoras concebido No ventre sem mancha e pecado Não tomes minha filha Não leves meu tesouro Que eu morro de paixão Que eu morro tão abandonado".
Mas Diogo Soares Mandou matar o noivo Que chorava abraçado À moça assustada Tremendo E a noiva estrangulou-se Numa fita de seda Antes que a possuísse À força o sensual galego A terra e os ares Tremeram com os gritos Do choro das mulheres Tamanhos que metiam medo E o pai Mambogoá Pedindo pelas ruas Justiça ao assassino Acorda a cidade em sossego.
É comum a ideia de que os velhos são os conservadores típicos e os jovens são os inovadores. Não é bem assim. Os conservadores mais típicos são os jovens, os que querem viver mas não pensam nem têm tempo para pensar como viver e que, por isso, optam pelo modelo de vida já existente.
Tolstói em O Diabo e Outros Contos (1889-90)
Sem comentários:
Enviar um comentário