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terça-feira, 18 de maio de 2010

Miguel Torga

Miguel Torga - Os avanços da Medicina


«Coimbra, 6 de Março de 1953 – Piorei da saúde. A máquina, à medida que os anos passam, vai pondo à mostra o desgaste dos rodízios. O caruncho começa a esfarelar o travejamento do corpo. Os inevitáveis sinais duma velhice que se aproxima, e de que tenho um terror que só ela sabe… Mas ao averiguar esta manhã o grau de mazelas que me roem, confesso que não foi o meu caso em si o que mais me interessou. Embora habituado, por ofício, a análises e radiografias, impressionou-me sobretudo o aspecto impessoal do problema. Época diabólica esta, em que podemos assistir num laboratório ao doseamento da energia que nos resta!
Dantes, a morte parecia-nos vir de fora, num ataque bruto e frontal. Agora, não. Agora conseguimos vê-la crescer em nós, milimetricamente, insidiosamente, como uma semente na terra ou um afecto no coração.
A olhar tubos de reacção alinhados e coloridos, onde uma subtil turvação é uma sentença sem apelo, até me esqueci de que o sangue era meu, empolgado como fiquei pelo progresso metódico de uma ciência universal, inexorável, que vai devassando esta última intimidade do mundo que era a vida. Abdiquei do meu próprio terror, encadeado pelo brilho da alquimia. Mais uns passos, e seremos transparentes como cristal. Transparentes à semelhança dos relógios, garantidos por um determinado tempo. Ao lado da data de nascimento, da altura e da cor dos olhos, teremos no cartão de identidade mais esta indicação preciosa: o dia prefixo do óbito.»
Miguel Torga, Diário VI, Coimbra, 1953, p. 178 e 179

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