quarta-feira, 15 de setembro de 2010
"Vi as águas os cabos vi as ilhas"
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade
Aqui desceram as âncoras escuras
Daqueles que vieram procurando
O rosto real de todas as figuras
E ousaram – aventura a mais incrível –
Viver a inteireza do possível
Olhos abertos do navegador
mudam aqui a luz a sombra a cor
Aqui viu o surgir em flor das ilhas
Quem vindo pelo mar desceu ao sul
E sob as altas nuvens brancas liras
Os olhos viram verdadeiramente
O doce azul de oriente e de safiras
Depois surgiram as costas luminosas
Silêncios e palmares frescor ardente
E o brilho do visível frente e frente
Vi as águas os cabos vi as ilhas
E o longo baloiçar dos coqueirais
Vi lagunas azuis como safiras
Rápidas aves furtivos animais
Vi prodígios espantos maravilhas
Vi homens nus bailando nos areais
E ouvi o fundo som das suas falas
Que já nenhum de nós entendeu mais
Navegavam sem os mapas que faziam (...)
Os homens sábios tinham concluído
Que só podia haver o já sabido:
Para a frente era só o inavegável
Sob um clamor de um sol inabitável
Indecifrada escrita de outros astros
No silêncio das zonas nebulosas
Trémula bússola tacteava espaços (...)
E assim contando tudo quanto vi
Não sei se tudo errei ou descobri
O aprender, o conhecer, o maravilhar-se, o descobrir.
Ali vimos a veemência do visível
O aparecer total exposto inteiro
E aquilo que nem sequer ousáramos sonhar
Era verdadeiro
Saudavam com alvoroço as coisas
Novas
O mundo parecia criado nessa mesma
Manhã
A palavra tornada poesia.
Através do teu coração passou um barco
Que não pára de seguir sem ti o seu caminho
Peço-Te que sejas o presente.
Peço-Te que inundes tudo.
E que o teu reino antes do tempo venha.
Por que jardins que nós não colheremos,
Límpidos nas auroras a nascer,
Por que o céu e o mar se não seremos
Nunca os deuses capazes de os viver.
In "Navegações"
Autora: Sophia de Mello Breyner Andresen
Edição: Maria Andresen de Sousa Tavares e Luis Manuel Gaspar
Capa: Henrique Cayatte
Data de Impressão: Outubro de 2004
Editora: CAMINHO
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