A minha Lista de blogues

sábado, 27 de fevereiro de 2010

POESIA MATEMÁTICA

"Poesia matemática" do grande humorista brasileiro Millôr Fernandes:

"Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
freqüentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade
como aliás em qualquer
sociedade."

Millôr Fernandes

Texto extraído do livro "Tempo e Contratempo", Edições O Cruzeiro - Rio de Janeiro, 1954, pág. sem número, publicado com o pseudónimo de Vão Gogo.


A Poesia Matemátia de Millôr Fernandes em vídeo


LIVRO MATEMÁTICO

http://www.youtube.com/watch?v=szyhQnVTCFE&feature=player_embedded#

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Leonard Cohen

Leonard Cohen - Dance Me to the End of Love


http://www.youtube.com/watch?v=Y_PIadFsvDk

Álvaro de Campos

TABACARIA
(15.01.1928)


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,

Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa,
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantámo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo e que é rabo a quem do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olhou-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
as um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.

O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.
(O dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da Tabacaria sorriu.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Visita-me enquanto não envelheço

Visita-me enquanto não envelheço
toma estas palavras cheias de medo e surpreende-me
com teu rosto de Modigliani suicidado
tenho uma varanda ampla cheia de malvas
e o marulhar das noites povoadas de peixes voadores
vem
ver-me antes que a bruma contamine os alicerces
as pedras nacaradas deste vulcão a lava do desejo
subindo à boca sulfurosa dos espelhos
vem
antes que desperte em mim o grito
de alguma terna Jeanne Hébuterne a paixão
derrama-se quando tua ausência se prende às veias
prontas a esvaziarem-se do rubro ouro
perco-te no sono das marítimas paisagens
estas feridas de barro e quartzo
os olhos escancarados para a infindável água
vem
com teu sabor de açúcar queimado em redor da noite
sonhar perto do coração que não sabe como tocar-te

Al Berto

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Cicero

citação

Todos os Homens honestos mataram César. A alguns faltou arte, a outros coragem e a outros oportunidade mas a nenhum faltou a vontade

Cicero

Last Summer

vídeo


Suddenly, Last Summer (1959) Part 1/11

http://www.youtube.com/watch?v=jhmVm5pf7u4&feature=player_embedded

Maria Velho da Costa

Maria Velho da Costa venceu o primeiro prémio da 7.ª edição do Prémio Literário Casino da Póvoa, anunciado hoje na abertura do Correntes d' Escritas, que decorre na Póvoa de Varzim. A escritora, cujo nome foi escolhido pela maioria do júri, foi distinguida pelo livro “Myra”.

via
http://foleirices.blogs.sapo.pt/318739.html


http://www.adobradogrito.blogspot.com/

Family Guy

Family Guy


Episode 8 The Kiss Seen Around the World

http://www.watch-family-guy-online.com/season-3/episode-8-the-kiss-seen-around-the-world/

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Maria Teresa Horta

“A literatura é o meu sentido primeiro das coisas.
“Entre aquilo que leio e aquilo que escrevo.
Correnteza de rio indo pelo caminho das pedras, até ao lugar onde as águas se misturam, se confundem, se fusionam, e só depois se separam, se alargam- alagam e
nos contaminam…
“Com a matéria última do sonho.”

Maria Teresa Horta

PORDATA

Foi hoje lançado o Pordata, (http://www.pordata.pt/azap_runtime/) um novo portal apoiado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, que “prevê disponibilizar os dados estatísticos em três fases principais: para Portugal (1.ª fase), para Portugal e países da UE 27 (2.ª fase) e para as regiões e municípios portugueses (3.ª fase). O vector comum a toda a informação apresentada é o tempo. Publicada sob a forma de séries cronológicas, a informação incide sobre um longo período, que se inicia, sempre que possível, em 1960 e se prolonga até à actualidade.”
Este será um serviço muitíssimo útil, principalmente, a partir do momento em que algumas pessoas começarem a fazer alguma coisa com os dados, como refere (e bem) o Alex Gamela.
Deixo aqui um exemplo do tipo de informação que agora é fácil de encontrar, graças ao Pordata:
entre 1987 e 2005, as despesas totais em Cultura, realizadas pelas Câmaras Municipais cresceram sempre, de pouco menos de 40 mil euros em 87 até mais de 910 mil euros, em 2005; em menos de 20 anos, multiplicou-se por mais de 20 esta verba
depois de 2005 (ano de eleições), esta verba decresceu significativamente; 2005 = 913 mil, 2006 = 802 mil, 2007 = 791 mil e 2008 = 863 mil
pegando só no ano de 2008, vemos que neste capítulo das despesas correntes das Câmaras Municipais, o desporto (que tem a fatia de leão) representa 10 vezes mais despesa que as artes cénicas (o parente pobre), numa relação de 183 mil para 18 mil euros
São pedacinhos de informação descontextualizados que não têm qualquer tipo de valor. Postos no contexto certo, talvez permitissem perceber que, a partir de determinada altura, a cultura passou a ser de forma mais clara, um instrumento de promoção das cidades e dos seus poderes, vendo o seu financiamento aumentado, mas dependente de ciclos eleitorais. Ou talvez permitissem ajudar a clarificar a (falta de) estratégia e política cultural a nível local, reflexo dum défice nacional e a estabelecer as bases para uma discussão séria sobre quais as áreas de investimento cultural prioritário. Uma coluna de dados com particular interesse, é a que diz respeito à despesa corrente em recintos culturais (única parcela que fica abaixo das despesas em artes cénicas) e o que isso significa na inexistência de redes de circulação e descentralização da fruição cultural.
Um acesso superficial e de poucos minutos aos dados já compilados, mostra bem a utilidade desta plataforma. Com o tempo, e com as ferramentas já disponíveis, temos todas as condições para ficar a conhecer melhor o país e discuti-lo com base em alguma realidade.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O CORPO NÃO ESPERA

O corpo não espera. Não. Por nós
ou pelo amor. Este pousar de mãos,
tão reticente e que interroga a sós
a tépida secura acetinada,
a que palpita por adivinhada
em solitários movimentos vãos;
este pousar em que não estamos nós,
mas uma sêde, uma memória, tudo
o que sabemos de tocar desnudo
o corpo que não espera; este pousar
que não conhece, nada vê, nem nada
ousa temer no seu temor agudo...

Tem tanta pressa o corpo! E já passou,
quando um de nós ou quando o amor chegou.

Jorge de Sena

Indecisão

?

A verdadeira prova de inteligência não é a quantidade de coisas que sabemos fazer, mas sim como nos comportamos quando não sabemos o que fazer.

Tjerk Heukelom

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Popular

Quadra Popular

O meu coração é terra
Hei-de mandá-lo cavar
Para semear saudades
Que tenho de te falar.




Flying Bag - American Beauty

http://www.youtube.com/watch?v=xu8_8TJC9E8

Sem Título

Quadra Popular

O meu coração é terra
Hei-de mandá-lo cavar
Para semear saudades
Que tenho de te falar.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

A PAZ

"A Paz no mundo começa dentro de mim,
quando me aceito de corpo e alma e reconheço os meus defeitos com paciência e calma.
E, em vez de me fragmentar em mil pedaços,
eu me coloco inteira no que penso, sinto e faço... passageira no tempo e nos espaço.
Sem nada para levar que possa me prender.
Sem medo de errar e com muita vontade de aprender.
A Paz no mundo começa entre nós,
quando eu aceito seu modo de ser...
sem me opor ou resistir e reconheço tuas virtudes sem te invejar...ou me retrair.
Eu faço das nossas diferenças a base de nossa convivência.
E em lugar de te dividir em mil personagens, consigo ver-te inteiro...despido...real.Sem nenhuma maquilhagem.
Companheiro da mesma viagem, no processo de aprendizagem do que é ser gente!
A Paz no mundo começa, quando as palavras se calam e os gestos se multiplicam.
Quando se reprime a vergonha e se expressa ternura.
Quando se repudia a doença e se enaltece a cura.
Quando se combate a normalidade que virou loucura.
E se estimula o desejo de melhorar a humanidade... de construir uma outra sociedade com base numa outra relação, em que amar é regra e não mais exceção.
Se eu pudesse deixar algum presente para você, deixaria aceso o sentimento de amar a vida dos humanos.
A consciência de aprender tudo o que foi ensinado pelo tempo a fora...
Lembraria de erros que foram cometidos para que não mais se repetissem.
A capacidade de escolher novos rumos.
deixaria para você, se pudesse, o respeito àquilo que é indispensável:
além do pão, o trabalho,
além do trabalho, a ação.
E, quando tudo mais faltasse, um segredo:
O de buscar no interior de si mesma, a resposta e a força para encontrar uma saída.

( Mahatma Gandhi )

Climate Change
http://www.youtube.com/watch?v=FXntPfWi8H0&feature=player_embedded

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

FÁBULAS DE LA FONTAINE II

Os ratos

Uma vez os ratos, que viviam com medo de um gato, resolveram fazer uma reunião para encontrar um jeito de acabar com aquele transtorno. Muitos planos foram discutidos e abandonados. No fim, um rato jovem levantou-se e deu a ideia de pendurar uma sineta no pescoço do gato; assim, sempre que o gato chegasse perto eles ouviriam a sineta e poderiam fugir correndo. Toda a assistência bateu palmas: o problema estava resolvido. Vendo aquilo, um rato velho que tinha ficado o tempo todo calado levantou-se de seu canto. O rato falou que o plano era muito inteligente, que com toda certeza as preocupações deles tinham chegado ao fim. Só faltava uma coisa: quem iria pendurar a sineta no pescoço do gato?

Moral: Inventar é uma coisa, fazer é outra.

AS AMORAS

O meu país sabe a amoras bravas no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.

Eugénio de Andrade

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Agustina Bessa-Luís

Fúria

Há aquele momento estranho que antecede a chegada. Há um barulho nas escadas, a porta do elevador, os passos na laje. Um aperto, uma quase dor. Prevendo o pior, ainda na esperança do melhor, ela deixa-se estar de costas para a porta, na cozinha, a barriga húmida da água que escoa do lavatório. Depois há duas hipóteses: ou ele se chega, bem disposto, a mão na porta do frigorífico, e uma frase qualquer, desgarrada, como se estivessem a falar há muito; ou a mão na porta do frigorífico e o silêncio a romper o gelo no copo alto. Um aperto, uma quase dor.
São segundos que definem a noite. Manchas de peso que alastram pela casa, propagando a aflição no peito, o bater do coração descompassado, deslocado, a meio do pescoço, prestes a deixar o corpo. Se o coração não estivesse preso, embrulhado nas cordas e no tubo de dez centímetros que é a traqueia, talvez conseguisse gritar. Um grito por ela, de terror por aguentar, de aviso, de guerra. Mas ela está assim, interdita, as mãos na água, as pulsações a contabilizar o medo e o medo a dominar tudo.
Julga-se protegida por não terem tido filhos. Seria pior. Tenta acreditar nisso. Muitas vezes acredita. Defende-se sem habilidade quando lhe perguntam porque é não tiveram, porque é que não cumpriu o seu papel, a coisa grandiosa da maternidade que confere sentido de vida mesmo ao que não terá nunca sentido. Para a esquerda? Para a direita? Como definir um sentido? As pessoas encaram-na com uma certa pena. Como se não fosse mulher o suficiente, como se dependesse dela. Nessas ocasiões sorri e olha para longe e espera que passe, sabendo de antemão que falta uma resposta e que do seu silêncio nascerá apenas desconforto, constrangimento e, por fim, outra vez pena.
Ele não julga nada porque a vida não lhe ensinou isso. Ensinou-lhe as coisas básicas da sobrevivência: o trabalho é para trabalhar. Um homem não deixa e não faz um rol de coisas que não importa agora nomear. Um homem fuma e bebe, não chora nem pede. Paga as contas e verifica o dinheiro. Fecha a porta da casa de banho. Sempre. Compra roupa uma vez por ano. Usa o mesmo tipo de sapatos. Arranja as coisas em casa. Procura não pensar. Nada de sonhos, nada de fantasias.

Larga essas revistas, que porra!

Ela sonha com as extensões de cabelo da apresentadora do concurso da televisão; sente as dores da outra que foi trocada pelo marido seis meses depois de um casamento majestoso numa quinta qualquer; comove-se com o nascimento da modelo; tenta imitar a actriz da telenovela da noite. Tudo isto antes de fazer o jantar, as revistas escondidas do olhar dele. A mesa está posta e ele arrasta-se com o copo na mão até ao sofá gasto. Ela atreve-se

Um dia vou mudar de sofá.

Nem penses, este já tem o buraco do meu cu.

São coisas assim. Coisas que a limitam, aprisionam, desfiguram. Ele torna-a um conjunto de coisas sem nome. Ela sabe e sabe melhor quando vê as horas a serem comidas pelas telenovelas e o ouve roncar de álcool no sofá. A cozinha está arrumada, não lhe resta mais nada, a luz da televisão a engolir-lhe a tristeza e ela a perder a noção de si, pronta para ser uma princesa, alguém outro que ninguém conhece. Uma mulher, por fim.
Nessa sexta-feira fazia calor. Era tarde. Não lhe apetecia carregá-lo para a cama, ouvi-lo na sua voz empastada a dizer asneiras, a chamar-lhe nomes, a agressividade nos olhos, os gestos de guerra, a guerra dos dois. Quando começou? Já nem se lembra. Um dia, a mão no frigorífico, o gelo e o copo, sempre o mesmo copo. Começou assim e não importa se foi ontem ou há dez anos porque nada mais mudou. Há uma sucessão de desenganos e pequenas tristezas que convergem lentamente para um final que ela entende como um castigo: a mão no cotovelo dele a endireitar o corpo, rumo ao quarto, a mão dele na blusa dela, os dedos grossos Nunca foste boa. Podias ser boa.

O corpo dele, por fim, na colcha de salmão brilhante e os sapatos a não querer sair, as calças a prender, a força de o levantar um pouco mais, ele a gritar

Deixa-me estar, porra.

Ela, paciente, silenciosa, a trabalhar com as mãos, os botões da camisa, o fecho do casaco de malha. As coisas no corpo dele. Podia despi-lo de tudo o resto. Não é capaz sequer de pensar nisso. Despi-lo da pequenez, da falta de mundo, da bebida, da vida. Podia até matá-lo, como viu numa série policial. Podia isso tudo e naquela sexta-feira imaginou que sim porque na televisão uma senhora pequenina, com um xaile pelos ombros, disparou olhando-a nos olhos, só a ela.
Na imensidão da noite, dentro daquela luz branco azulada do ecrã, a escritora virou-se para ela e disse

As mulheres pequenas inspiram um sentimento de vaga hostilidade, como se pertencessem a uma raça diferente. (*)


E naquele momento, como uma vocação, encarou o marido no sofá, o copo em cima da mesa de acrílico, junto ao cinzeiro imundo, a paisagem da sala por inteiro, como uma novidade, e considerou que era verdade, a escritora tinha razão. Ela, como outras, era de uma raça diferente. E, sem fúria, já calma nos seus ímpetos de fuga, optou por deixar o marido no sofá de cornucópias. Fez a cama de lavado, uns lençóis brancos de algodão puro, suaves e menineiros, e deitou-se nua no calor da noite. Repetiu alto a frase de Agustina Bessa-Luís sobre as mulheres pequenas e a diferença.
Sentiu-se bem.
Pela primeira vez, depois de muito tempo, de tanto tempo, sentiu-se bem.



Agustina Bessa-Luís, As Fúrias, página 47.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Chico Buarque

VIVER DE AMOR

pra se viver do amor
há que esquecer o amor
há que se amar
sem amar
sem prazer
e com despertador
como um funcionário

há que penar no amor
pra se ganhar no amor
há que apanhar
e sangrar
e suar
como um trabalhador

ali, o amor
jamais foi um sonho
o amor, eu bem sei
já provei
e é um veneno medonho

é por isso que se há de entender
que o amor não é um ócio
e compreender
que o amor não é um vício
o amor é sacrifício
o amor é sacerdócio

amar
e iluminar a dor
como um missionário

(canção de Chico Buarque para Ópera do Malandro, 1978)

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

LOUVOR DO ESQUECIMENTO

Bom é o esquecimento.
Senão como é que
O filho deixaria a mãe que o amamentou?
Que lhe deu a força dos membros e
O retém para os experimentar.

Ou como havia o discípulo de abandonar o mestre
Que lhe deu o saber?
Quando o saber está dado
O discípulo tem de se pôr a caminho.

Na velha casa
Entram os novos moradores.
Se os que a construíram ainda lá estivessem
A casa seria pequena de mais.

O fogo aquece. O oleiro que o fez
Já ninguém o conhece. O lavrador
Não reconhece a broa de pão.

Como se levantaria, sem o esquecimento
Da noite que apaga os rastos, o homem de manhã?
Como é que o que foi espancado seis vezes
Se ergueria do chão à sétima
Pra lavrar o pedregal, pra voar
Ao céu perigoso?

A fraqueza da memória dá
Fortaleza aos homens.


Bertolt Brecht, in Poemas e Canções, trad. Paulo Quintela, Livraria Almedina, 1975, p. 209. Nota biográfica composta a partir da cronologia organizada por Ana Barradas para o volume Brecht – Selecção de Poemas, Textos e Teatro, Dinossauro, 3.ª edição, Abril de 1999.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Experiência

citação


Experiência não é aquilo que acontece a uma pessoa. É aquilo que uma pessoa faz com o que lhe acontece

Aldous Huxley


Climate Change
http://www.cidadeartesdomundo.com.br/video-02.htm

Canja de Galinha para a Alma

"Arriscar-me-ia mais da próxima vez. Seria mais flexível.
Seria mais tolo do que fui nesta viagem. Levaria as coisas menos a sério.
Aproveitaria as oportunidades.
Viajaria mais. Subiria mais montanhas e nadaria em mais rios.
Talvez tivesse mais problemas reais, mas teria menos imaginários.
Veja, sou dessas pessoas que vivem de forma sensata todas as horas, todos os dias. Oh, tive os meus momentos e, se pudesse começar novamente, teria mais alguns. Na verdade, tentaria não ter mais nada. Só momentos.
Um após outro, sem viver antecipadamente tantos anos cada dia.
Fui dessas pessoas que nunca vão a lado nenhum sem um termo, uma capa para a chuva e um pára-quedas. Se eu pudesse novamente, viajaria com menos peso da próxima vez.
Se eu pudesse viver novamente, tiraria os sapatos no começo da Primavera e ficaria descalço áté final do Outono.
Dançaria mais. Colheria margaridas"
Nadine Stair, 85 anos

“Canja de Galinha para a Alma”

FÁBULAS DE LA FONTAINE I

Breve Biografia

Jean de La Fontaine (1621-1695) nasceu na França, numa família que não sendo rica, tinha posses. O pai desejava que ele viesse a ser advogado. Mas alguns mecenas (homens ricos e nobres que patrocinavam os artistas)interessaram-se por ele. Assim, La Fontaine pôde dedicar-se à carreira literária. Os livros de literatura adulta não sobreviveram.Suas fábulas, entretanto, escritas em versos elegantes, deram-lhe enorme popularidade.
- “Sirvo-me dos animais para instruir os homens”- dizia.
Os animais simbolizavam os homens, suas manias e seus defeitos.

La Fontaine reeditou muitas das fábulas clássicas de Esopo, o pai do género literário. Da vida de Esopo, sabemos. Provavelmente viveu na Grécia no século VI a.C. Ele seria escravo,corcunda e gago. Teria sido executado por haver cometido o crime de blasfémia. Suas fábulas são curtas, bem-humoradas e trazem sempre uma moral no fim.





A raposa e o busto

Era um busto famoso, um todo teatral...
Por entre a multidão o burro, esse animal
Que não sabe julgar senão as aparências
Gabava da escultura as raras excelências.
A raposa, porém, um tanto mais sabida,
Aproxima-se e diz:
«Não vi, por minha vida,
Cabeça tão perfeita!... É mágoa verdadeira
A falta que lhe faz lá dentro a mioleira!»

Aos centos, pelo mundo, os homens conto
que são bustos perfeitos nesse ponto.

Tadução - Moura Cabral
Fábulas de La Fontaine - Temas e Debates

sábado, 13 de fevereiro de 2010

UM SINAL

"Deixa-me um sinal
quando quiseres.

Uma pedra, uma estrela ou uma ave
um cheiro, um aroma ou um morango

Uma cruz talhada na minha porta

Que o caminho eu acharei
encruzilhado
entre o gesto e o espanto

pressentido
entre o vácuo e o manto!
ou o mar !
ou o vento!
ou as velas do meu barco
parado algures
no inevitável
porto das esperas."


Luiza Caetano.






Klaviermusik - Piano Songs Piano Music Music - Kay Tokner - Klaviermusik

http://www.youtube.com/watch?v=md02_pLTUOg&feature=response_watch



http://www.youtube.com/watch?v=ynHsL26IGnk&feature=related

Primavera

Ludovico Einaudi - Primavera

http://www.youtube.com/watch?v=qmxFAT581T4&feature=related

Ryuichi Sakamoto

Ryuichi Sakamoto-Energy Flow

http://www.youtube.com/watch?v=btyhpyJTyXg&feature=player_embedded

Se eu morrer de manhã

Se eu morrer de manhã
abre a janela devagar
e olha com rigor o dia que não tenho.

Não me lamentes. Eu não me entristeço:
ter tido a noite é mais do que mereço
se nem conheço a noite de que venho.

Deixa entrar pela casa um pouco de ar
e um pedaço de céu
o único que sei.

Talvez um pássaro me estenda a asa
que não saber voar
foi sempre a minha lei.

Não busques o meu hálito no espelho.
Não chames o meu nome que não venho
e do mistério nada te direi.

Diz que não estou se alguém bater à porta.
Deixa que eu faça o meu papel de morta
pois não estar é da morte quanto sei


Rosa Lobato Faria (20-04-32 - 2-02-2010)

Flores

Era preciso agradecer às flores
terem guardado em si,
límpida e pura,
aquela promessa antiga
duma manhã futura.

Sophia de Mello Breyner

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Eternal Sunshine

Eternal Sunshine of the Spotless Mind

http://www.youtube.com/watch?v=02JCx0e1d4E&feature=player_embedded#

João Miguel Fernandes Jorge

O comboio correio das 10 da noite partia da
minha terra para Lisboa. Fui tantas vezes
com o meu pai levar as cartas. Esperávamos
na gare. Se havia chuva ouvíamos o apito
quando passava à Granja vindo de Óbidos e

depois de correr o vale de S. Mamede.
O que mais me seduzia era o seu peso o negro
da máquina o movimento do êmbolo a nuvem de vapor
correndo toda a gare. Chegava entre videiras e
pântanos. O chefe da estação de

bandeirinha verde dava o sinal de entrada. Era
o intenso barulho os ferros da travagem
o bater das portas as carruagens verdes
enegrecidas, os castanhos wagons. Máquinas de carvão,
a diesel depois. O degrau de madeira ao

longo da carruagem, o romano nas portas I, II, e III.
Anos depois, já de mim se dizia «um homenzinho»
viajei nesse comboio das 10. Partia de
Coimbra, às cinco horas. Pelos campos do Mondego

a água, a matéria do ferro, confundi
com o caos. Reconheço neste comboio a forma
obscura, a intuição ridícula das imagens. A noite
corria de mistura com a triste lâmpada do
corredor, benefício do mistério, fogo fechado pela

trovoada sobre os campos do arroz, sobre o pinhal de Leiria.
Viajava em segunda. Vinha para casa no natal.
Eu tinha um emblema, vermelho e branco dos suíços,
na lapela do sobretudo. O meu irmão, as mãos
gretadas das frieiras sob umas luvas azuis. No

banco em frente,
uma professora de geografia rezava o terço
atenta à formação do espírito científico nascente.
Descolorido amor humano,
fornalha de comboio, coração das coisas a noite
corria fora e dentro da carruagem verde.

Meu pai estava na gare.
A longa fita de cabedal para fechar, abrir as
janelas. A rede onde pousava as malas.
Os corridos bancos de madeira ficavam na III.
Um guarda republicano cerrava todas as

noites sobre o azul do capote a portinhola.
O traço do comboio separa o céu da terra sob as estrelas
sob o limite da chama
a arte tanta vez a natureza.


João Miguel Fernandes Jorge
in Exposição, Na regra do Jogo

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Ilusão

...E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram.
Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre..


Miguel Sousa Tavares

O Principezinho

(...)
O que quer dizer cativar? - É algo quase sempre esquecido - disse a raposa. - Significa “criar laços”...
- Criar laços?
- Exactamente - disse a raposa. - Tu não és ainda para mim senão um rapaz inteiramente igual a cem mil outros rapazes. E eu ainda não tenho necessidade de ti. E tu também não tens necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativares, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...

(...)
Tu voltarás para me dizer adeus, e eu te presentearei com um segredo.
- Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos.

- O essencial é invisível aos olhos - repetiu o principezinho, para não se esquecer.
- Foi o tempo que perdeste com tua rosa que a fez tão importante. - Foi o tempo que perdi com minha rosa... - repetiu ele, para não se esquecer.
- Os homens esqueceram essa verdade - disse ainda a raposa. - Mas tu não a deves esquecer. Tu tornas-te eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela tua rosa...
- Eu sou responsável pela minha rosa... - repetiu o principezinho para não esquecer..

excertos "O Principezinho"

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Responsabilidade

“Não sou responsável pelo que fizeram de mim.
Sou, no entanto, responsável por aquilo que fizer do que fizeram de mim…”

Jean-Paul Sartre

se eu fosse eu

«Quando eu não sei onde guardei um papel importante e a procura revela-se inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse um papel importante para guardar, que lugar escolheria? Às vezes dá certo. Mas muitas vezes fico tão pressionada pela frase "se eu fosse eu", que a procura do papel se torna secundária, e começo a pensar, diria melhor SENTIR». E não me sinto bem. Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria?»
Clarice Lispector

A viagem

Quem é alguém que caminha
Toda a manhã com tristeza
Dentro de minhas roupas, perdido
Além do sonho e da rua?

Das roupas que vão crescendo
Como se levassem nos bolsos
Doces geografias, pensamentos
De além do sonho e da rua?

Alguém a cada momento
Vem morrer no longe horizonte
Do meu quarto, onde esse alguém
É vento, barco, continente.

Alguém me diz toda a noite
Coisas em voz que não ouço.
- Falemos na viagem, eu lembro.
Alguém me fala na viagem.
João Cabral Neto

João Cabral Neto

In "O engenheiro", 1945.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Renovação

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."

Fernando Pessoa

MÚSICA

he whitest boy alive 1517 live at ic berlin

http://www.youtube.com/watch?v=Ry3WFtlDSco&feature=player_embedded#


Lost In Translation more than this

http://www.youtube.com/watch?v=pCB7cxv-Ey8

O tom crespo

É novo: Mário Crespo defende-se antes de ser atacado. Tem o tom crespo que corresponde às qualidades do tecido de lã, crespo e leve, a que os franceses chamam crépon e nós, seguidistas, crespão. A crespidão é a qualidade do que é áspero. Mas não é o estilo de Crespo, que é aveludado sem ter a coragem de ser suave e untuoso sem se reconhecer como gorduroso.



José Sócrates é muito intolerante — mas tem esse direito, como todos temos. Porque há-de medir as palavras e as acções, como se fosse melhor do que nós? Acho muito bem que se indigne e ponha processos como o comum dos mortais. Deverá alguém — à parte os indiferentes da Prisa — prescindir da liberdade de dizer o que quer? Parece-me que, num pensamento totalitário, se confunde o político com o legal. Sócrates, antes e depois de ser primeiro-ministro, é um cidadão como qualquer um de nós. E faz bem — é libertador — agir como tal, mesmo quando se comporta como a prima donna que, de facto, por feitio dele e eleição nossa, é. Sócrates, ao reagir como cidadão e abster-se das condescendências e pseudo-aristocracias da democracia, presta um serviço e rompe com uma tradição. Não é um Presidente da República, acima de tudo: é um eleito que elegemos para mandar em nós. Pode ser um chefe temporário mas faz bem em ser um cidadão e indivíduo para sempre. Crespo é mais aromático e mais permanente. Fazer-se de vítima antes de ser — só porque há muito que há muitos que não gostam dele — é, a bem dizer, desumano.'
Miguel Esteves Cardoso, O tom crespo (Público)

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Amigos

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

Inquietação

A contas com o bem que tu me fazes
A contas com o mal por que passei
Com tantas guerras que travei
Já não sei fazer as pazes
São flores aos milhões entre ruínas
Meu peito feito campo de batalha
Cada alvorada que me ensinas
Oiro em pó que o vento espalha
Cá dentro inquietação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda
Há sempre qualquer coisa que está pra acontecer
Qualquer coisa que eu devia perceber
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda
Ensinas-me fazer tantas perguntas
Na volta das respostas que eu trazia
Quantas promessas eu faria
Se as cumprisse todas juntas
Não largues esta mão no torvelinho
Pois falta sempre pouco para chegar
Eu não meti o barco ao mar
Pra ficar pelo caminho
Cá dentro inqueitação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda
Há sempre qualquer coisa que está pra acontecer
Qualquer coisa que eu devia perceber
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda
Cá dentro inqueitação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Mas sei
É que não sei ainda
Há sempre qualquer coisa que eu tenho que fazer
Qualquer coisa que eu devia resolver
Porquê, não sei
Mas sei
Que essa coisa é que é linda

José Mário Branco


http://www.youtube.com/watch?v=olAOazHmn7I&feature=player_embedded

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

João de Melo

"A sua partida deixou em mim intactos o saber e o sabor dos frutos. Consigo aprendi que viver é seguir o curso dos rios, acreditar na loucura dessa viagem, descobrir mesmo a poesia que pode haver nos impossíveis barcos."


joão de melo in gente feliz com lágrimas.


Música

Chris Botti f/Sting-What Are You Doing The Rest Of Your Life?


http://www.youtube.com/watch?v=lSDDtwBB0H8

Os Lusíadas

Excerto do programa "Grandes Portugueses- Luís Vaz de Camões". Leitura de Canto IV de "Os Lusíadas" por Helder Macedo. Montagem - Paulo Milhomens Música - Fernando Lopes-Graça


http://www.youtube.com/watch?v=6_xHXlPZSoI&feature=player_embedded

Camões Dirige-se aos seus Contemporâneos

Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de me saber melhor ainda
do que fingis que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu, contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável
que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
Que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
para passar por meu. E para os outros ladrões,
Iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.

Jorge de Sena

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Literatura

"...às vezes, tem ciência de acertar, de atingir por momentos o ápice da narrativa. O raro instante em que, ao atingir a corda sensível do enredo, não lhe cabe recuar ou abdicar dos ingredientes que, apaixonadamente enlaçados, determinam seu desfecho."




Nélida Piñon



Blue Danube

http://www.youtube.com/watch?v=Wc8X7zJuVBU&feature=player_embedded

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Ilusões da Vida

Quem passou pela vida em branca nuvem
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu:
Foi espectro de homem, não foi homem,
Só passou pela vida, não viveu.

Francisco Otaviano


Pedro Abrunhosa – Quem me leva os meus fantasmas
http://www.youtube.com/watch?v=sqK7Ys155j4&feature=player_embedded

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Uma História simples

The Straight Story (1999)Reprise

http://www.youtube.com/watch?v=d1pKEI-Sv-8&feature=related

O Poeta

Também eu, sonhador, que vi correr meus dias
Na solene mudez da grande solidão,
E soltei, enterrando as minhas utopias,
O último suspiro e a última oração;
Também eu junto à voz da natureza,
E soltando o meu hino ardente e triunfal,
Beijarei ajoelhado as plantas da beleza,
E banharei minh'alma em tua luz, — Ideal!
Ouviste a natureza? Às súplicas e às mágoas
Tua alma de mulher deve de palpitar;
Mas que te não seduza o cântico das águas,
Não procures, Corina, o caminho do mar!


Machado de Assis
de 'Horas Vivas"

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

STING

LULLABY to an anxious child "STING GKB NOVECENTO"
http://www.youtube.com/watch?v=ITdBy7ts2Ec&feature=player_embedded#

Quando está frio no tempo do frio, para mim é como se estivesse agradável

Quando está frio no tempo do frio, para mim é como se estivesse agradável,
Porque para o meu ser adequado à existência das coisas
O natural é o agradável só por ser natural.
Aceito as dificuldades da vida porque são o destino,
Como aceito o frio excessivo no alto do Inverno—
Calmamente, sem me queixar, como quem meramente aceita,
E encontra uma alegria no facto de aceitar—
No facto sublimemente científico e difícil de aceitar o natural inevitável.
Que são para mim as doenças que tenho e o mal que me acontece
Senão o Inverno da minha pessoa e da minha vida?
O Inverno irregular, cujas leis de aparecimento desconheço,
Mas que existe para mim em virtude da mesma fatalidade sublime,
Da mesma inevitável exterioridade a mim,
Que o calor da terra no alto do Verão
E o frio da terra no cimo do Inverno.
Aceito por personalidade.
Nasci sujeito como os outros a erros e a defeitos,
Mas nunca ao erro de querer compreender demais,
Nunca ao erro de querer compreender só com a inteligência.
Nunca ao defeito de exigir do Mundo
Que fosse qualquer coisa que não fosse o Mundo.

24-10-1917
“Poemas Inconjuntos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993).

"Porque todos temos uma obrigação"

Na próxima sexta-feira, chega às livrarias uma nova edição do romance A Jangada de Pedra, de José Saramago, destinada a contribuir para a ajuda humanitária às vítimas do sismo no Haiti. O produto da venda do livro é integralmente destinado às vítimas do sismo no Haiti.

«As minhas palavras serão de agradecimento. A Fundação José Saramago teve uma ideia, louvável por definição, mas que poderia ter entrado na história como uma simples boa intenção, mais uma das muitas com que dizem estar calcetado o caminho para o inferno. Era a ideia editar um livro. Como se vê, nada de original, pelo menos em princípio, livros é o que não falta. A diferença estaria em que o produto da venda deste se destinaria a ajudar as vítimas sobreviventes do sismo do Haiti. Quantificar tal ajuda, por exemplo, na renúncia do autor aos seus direitos e numa redução do lucro normal da editora, teria o grave inconveniente de converter em mero gesto simbólico o que deveria ser, tanto quanto fosse possível, proveitoso e substancial. Foi possível. Graças à imediata e generosa colaboração das entidades que participam na feitura e difusão de um livro, desde a fábrica de papel à tipografia, desde o distribuidor ao comércio livreiro, os 15 euros que o comprador gastará serão integralmente entregues à Cruz Vermelha para que os faça seguir ao seu destino. Se chegássemos a um milhão de exemplares (o sonho é livre) seriam 15 milhões de euros de ajuda. Para a calamidade que caiu sobre o Haiti 15 milhões de euros não passam de uma gota de água, mas A Jangada de Pedra (foi este o livro escolhido) será também publicada em Espanha e no mundo hispânico da América Latina. Quem sabe então o que poderá suceder? A todos os que nos acompanharam na concretização da ideia primeira, tornando-a mais rica e efectiva, a nossa gratidão, o nosso reconhecimento para sempre.
José Saramago»

via:

http://bibliotecariodebabel.com/mundo-editorial/uma-jangada-inteira-para-apoiar-as-vitimas-do-sismo-no-haiti/