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sexta-feira, 19 de março de 2010

Maria do Rosario Pedreira

Quando eu morrer,
não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos
quando eram outras horas nos relógios do mundo
e não havia ainda quem soubesse de nós;

e leva-o depois para junto do mar,
onde possa ser apenas mais um poema –
como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros
e eu tinha medo de me deitar só com a tua sombra.

Deixaque nos meus braços pousem então as aves
(que , como eu, trazem entre as penas
a saudade de um verão carregado de paixões).
E planta à minha volta uma fiada de rosas
brancas
que chamem pelas abelhas,
e um cordão de árvores que perfurem a noite –
porque a morte deve ser clara
como o sal na baínha das ondas,
e a cegueira sempre me assustou
( e eu já ceguei de amor, mas não contes a ninguém que foi por ti).


Quando eu morrer,
deixa-me a ver o mar do alto de um rochedo e não chores,
nem toques com os teus lábios a minha boca fria.
E promete-me que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenoscomo pequenos foram sempre os meus ódios;
e que depois os lanças na solidão de um arquipélago
e partes sem olhar para trás nenhuma vez:
se alguém os vir de longe brilhando na poeira,
cuidará que são flores que o vento despiu,
estrelas que se escaparam das trevas,
pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.

Maria do Rosario Pedreira
O Canto do Vento nos Ciprestes

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